sexta-feira, 19 de junho de 2015

TENHO POSSIBILIDADES DE VENCER

“Tenho possibilidades de vencer!”, diz Sampaio da Nóvoa, candidato a presidente de Portugal
Rossana Tonetti

Em entrevista ao Portugal Digital, Nóvoa fala sobre alguns dos temas mais relevantes das relações bilaterais, dedica especial atenção às áreas da educação e da cultura e às relações com as comunidades portuguesas, critica vários aspectos da governação em Portugal nos últimos anos, condena políticas de austeridade, defende a aproximação às comunidades portuguesas, diz “não” à privatização da TAP e tece comentários à actualidade e ao modelo político brasileiro. “Tenho possibilidades de vencer”, afirma.

Brasília - Candidato às eleições presidenciais em Portugal, em 2016, António Sampaio da Nóvoa participou das comemorações do Dia de Portugal, em Brasília, no último dia 10. A mais recente pesquisa indica que Sampaio da Nóvoa lidera a corrida dos potenciais candidatos com  40% das intenções de voto. “Tenho possibilidades de vencer!”,  afirma.
Durante três dias, o professor catedrático e ex-reitor da Universidade de Lisboa cumpriu uma extensa agenda política e académica na capital brasileira, onde recebeu doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Brasília (UnB). Na ocasião, o candidato apresentou ao ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, um dos principais pontos da sua carta de princípios: o aprofundamento das relações entre Portugal e os países de língua portuguesa.
Nóvoa, 60 anos, também manteve encontros com o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, a ambientalista  Marina Silva, candidata à presidência do Brasil em 2014, e o senador Cristovam Buarque, além de membros da Fundação João Mangabeira, ligada ao Partido Socialista Brasileiro (PSB).
Em entrevista ao site Portugal Digital, Nóvoa fala sobre alguns dos temas mais relevantes das relações bilaterais, dedica especial atenção às áreas da educação e da cultura, critica vários aspectos da governação em Portugal nos últimos anos, condena políticas de austeridade,  defende uma praxis presidencial de aproximação às comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, diz “não” à privatização da TAP e tece comentários à actualidade e ao modelo político brasileiro. 
Sampaio da Nóvoa aborda também questões importantes para o aprofundamento das relações diplomáticas entre Brasil e Portugal, como  os entraves burocráticos para o reconhecimento de graus académicos entre estudantes dos dois países. Ele também pontua a emigração em massa de jovens portugueses, sobretudo para o Brasil, como uma das grandes preocupações, que ameaça de forma abrangente o futuro da nação.  Contudo, em tom optimista, elenca uma série de factores que garantem condições favoráveis para que Portugal possa reverter a situação.
No sábado (13), a caminho da entrevista, Nóvoa recebeu, com grande satisfação, um SMS em seu celular com uma pesquisa que indica 40% das intenções de voto em sua candidatura. “É extraordinário para uma pessoa ainda quase desconhecida”, avaliou, com um misto de alegria e humildade.

PD - O senhor já trabalhou no Brasil, que tem sido um destino profissional para cada vez mais jovens portugueses que não encontram trabalho em Portugal. Acredita que os jovens que emigram para o Brasil algum dia voltarão para Portugal?
Nóvoa – Não sabemos se eles um dia retornarão. A saída em massa de milhares de jovens é um dos nossos maiores dramas. Não há números concretos, mas estimamos cerca de 140 mil pessoas por ano – e não temos a noção exacta da faixa etária. Se estes números estiverem certos, teremos meio milhão de cidadãos em quatro anos. O que é uma sangria impressionante para um país pequeno, com dez milhões de habitantes. E, se dessa quantidade uma parte considerável for de jovens qualificados, estamos falando de uma realidade dramática. A população de um país custa dinheiro durante toda a sua formação e parte dela sai justamente no momento em que se torna produtiva, para regressar  – porque todos os portugueses adoram a sua pátria – quando  começa a dar custos sociais, com o seu envelhecimento.
Vivemos, ainda, um desequilíbrio demográfico enorme, com baixos índices de natalidade. Portanto, temos que recuperar a confiança no país e a capacidade de integração desses jovens, sob pena de Portugal não ter futuro, no sentido literal do termo. Podemos resolver as dificuldades financeiras e o equilíbrio nas contas públicas, mas de nada adianta se não conseguirmos encontrar soluções para este problema.

PD – Se eleito,  como chefe de Estado e dentro do que lhe é permitido pela Constituição, quais as soluções que o senhor pode orientar para essa situação?
Nóvoa – A orientação central para essa matéria resulta de uma equação muito fácil. Temos excelente infraestrutura rodoviária, ferroviária, tecnológica, educação, saúde, entre outras, em todas as cidades portuguesas. Nossa localização geográfica é extraordinária, com recursos imensos do ponto de vista do mar, sobretudo agora que a nossa plataforma continental passa a ser a maior da Europa, em grande parte ampliada pelos arquipélagos de Açores e Madeira. Somos um país hospitaleiro e sem violência.
Se temos tudo isso, além de jovens com formação qualificada e bons centros tecnológicos, falta apenas uma forma de ligar uma ponta à outra e criarmos condições para superar essa situação. Precisamos de uma política estruturante que cole estas duas pontas. Algo que não foi feito nos últimos quatro anos porque tudo estava centrado na política de austeridade. Tudo era feito para reduzir despesas públicas.  Portugal atacou parte do problema, mas se esqueceu do todo e de uma ideia de futuro.
Como presidente da República eu não governo, mas tenho como oferecer o núcleo das políticas estruturantes para o país. Temos muitos problemas económicos para resolver, mas vemos que falta política e que estamos cegos. Como se o país fosse fechar e desaparecer.

PD – O senhor, que já morou no Brasil, e que tem acompanhado a actual situação política e económica do país, como encara o momento delicado que o país atravessa?
Nóvoa – Penso que da forma como Marina Silva entrou na disputa [com a morte de Eduardo Campos, ex-presidente do PSB e candidato presidencial] foi um momento de comoção muito grande e que o país não se recuperou. É como se o Brasil ainda estivesse em processo eleitoral, se movimentando para um terceiro ou quarto turno. Parece que ainda não se iniciou regularmente um novo mandato presidencial. Tenho a sensação de que é uma situação conjuntural, uma espécie de abalo, que as coisas ainda não se encaixaram de vez. Mas vai passar porque o país precisa de estabilidade política para os próximos anos e isso é decisivo.
Vejo também com preocupação o sistema político brasileiro. É difícil conseguir maiorias estáveis para governar. Embora o presidente vença as  eleições, há  necessidade de muitos acordos e configurações nas plataformas políticas. Nas conversas que tive, ouvi comentários sobre a necessidade de uma reforma política, mas sobre este assunto eu não vou pronunciar-me.

PD - Que papel deve ter um presidente da República na relação com as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo?
Nóvoa – Nas quatro funções que a Constituição atribui ao presidente, duas são definidas do seguinte modo: representar a República Portuguesa e garantir a unidade do Estado. Na leitura que faço da Constituição, essa função de representação tem que ser estendida às comunidades da diáspora. Isso implica deslocamentos frequentes do presidente até essas comunidades e que ele as ouça mais e traga os problemas delas para dentro da política portuguesa. E, ao mesmo tempo, garanta a unidade de todas as comunidades portuguesas que vivem no estrangeiro e que têm um papel extraordinariamente importante, no plano cultural, económico e político. Um dos grandes patrimónios de Portugal são estas comunidades e a língua portuguesa. Nenhum outro país do mundo tem a capacidade de ter isso na América, na África, na Europa e na Ásia, com laços fortes de identidade. O presidente da República tem a obrigação de valorizar esta dimensão. Algo que, infelizmente, não se tem feito.

PD – E as relações diplomáticas, em especial, com o Brasil?
Nóvoa - Se eu for eleito presidente, uma das primeiras visitas ao exterior será o Brasil, que por sinal está na minha carta de princípios. A viagem destes três dias foi realizada com o propósito de valorizar a língua [juntamente] com o Brasil e com países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Nas relações entre Portugal e Brasil, é evidente que há sempre problemas e dificuldades. Mas estamos em uma fase muito boa, tanto política e económica, quanto académica e cultural. Na área académica e universitária é absolutamente impressionante a colaboração entre as universidades dos dois países. No âmbito da economia, temos aumento significativo dos investimentos. No turismo, vemos a ida de brasileiros a Portugal e ficamos impressionados como eles gostam.

PD - No plano do ensino superior, tem ocorrido crescente intercâmbio de estudantes entre Portugal e o Brasil, mas persistem problemas no reconhecimento de graus académicos. Por que é que dois países que partilham a mesma língua ainda não conseguiram um grau mais elevado de cooperação académica?
Nóvoa – Não há nenhuma explicação e é inaceitável que isso aconteça. É uma situação grave nas relações académicas entre os dois países e que tem que ser resolvida já. Durante muito tempo o problema foi de Portugal, sendo que o mais conhecido foi com os dentistas brasileiros. Havia alguma desconfiança em relação à qualidade das formações que eram oferecidas no Brasil, com razões objectivas, uma vez que em Portugal os dentistas são médicos com especialização em medicina dentária, enquanto no Brasil a formação ocorre desde o princípio, como no modelo norte-americano. Mas isso já foi resolvido. Tanto que as universidades portuguesas já consideram inclusive a nota do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) como porta de entrada. Entretanto, o problema persiste hoje mais pelo lado brasileiro, em função de um sistema muito burocrático da validação e reconhecimento de graus. Quando nos damos conta, já se passaram um ou dois anos. Na minha opinião, os dois países têm que concordar com uma lista oficial de universidades e, com isso, tornar a validação automática. Basta verificar a autenticidade dos documentos. Quando era reitor da Universidade de Lisboa, este processo, em mais de 90% dos casos, era despachado em menos de 24 horas.

PD - Em Portugal o estatuto do presidente da República é menos interventivo do que em outros países do mundo, como no Brasil. Se for eleito em 2016 mudará alguma coisa na forma de exercer o cargo de presidente da República?
Nóvoa – Muita gente critica os poderes que a Constituição atribui ao presidente da República, mas eu apresento, no primeiro parágrafo da minha candidatura, a defesa dos princípios e valores da Constituição. Os poderes que ela atribui ao presidente são mais do que suficientes para que ele tenha um papel importante na vida política de Portugal.
Quero ser um presidente próximo e que fala e ouve directamente os portugueses. As pessoas precisam reconquistar a confiança na política. O meu entendimento do cargo é de relevância no plano nacional, alargado do pequeno para o maior; do local para o global - com uma presença melhor no mundo, abraçando mais as causas humanitárias, de justiça social e de paz, o que raramente tem sido feito em Portugal.  Creio que a última vez que um presidente teve um papel preponderante em uma causa internacional foi na independência do Timor Leste, com Jorge Sampaio. Para fazer isso, não é preciso mudar uma vírgula na Constituição.

Vários candidatos ditos independentes (que se candidataram sem o apoio dos maiores partidos políticos) conseguiram votações interessantes nas últimas eleições em Portugal (casos de Manuel Alegre, Fernando Nobre, entre outros), mas acabaram por não se impor como soluções efectivas no panorama político português. O que é que tem faltado para que as candidaturas independentes, como a sua, possam de fato vencer?
Nóvoa – Portugal viveu 48 anos de ditadura. Anos dolorosos e difíceis do século XX. Quando veio a revolução de 1974 (25 de Abril - Revolução dos Cravos) e, depois, a Constituição de 1976, era preciso proteger os partidos e dizer “não queremos mais uma sociedade sem partidos”.
Quarenta anos depois, vivemos uma fase em que é preciso dizer que os partidos são fundamentais, mas eles não esgotam toda a dimensão política. Há política além dos partidos. E uma candidatura independente, como a minha, nunca será feita contra os partidos, mas para ampliar o espaço da democracia e tentar trazer muita gente que hoje está cansada e desiludida dos partidos e dos políticos profissionais. Creio que hoje a sociedade portuguesa está preparada para que um candidato independente possa assumir a Presidência da República e ter o papel que a Constituição lhe consagra. Claro que há complicações. O independente não tem uma máquina partidária, o que torna os problemas financeiros de campanha mais difíceis. Por outro lado, se fosse fácil, não teria graça alguma. E tudo indica que tenho possibilidades de vencer.

Acredita que é possível um entendimento dos maiores partidos de esquerda, nomeadamente PS, PCP e Bloco de Esquerda, para formar uma coligação com maioria parlamentar para governar Portugal?
Nóvoa – Com certeza! No processo de candidatura procuro contar com o apoio de partidos progressistas, socialistas e de sectores com grande preocupação social. Uma vez eleito presidente, a declaração canónica na noite das eleições passará a ser “eu sou o presidente de todos os portugueses”. Dos que votaram e daqueles que não votaram em mim. E um presidente tem que respeitar todos os votos, gostando mais ou menos de certas orientações ou partidos. E a Constituição, ao deixar o governo para os partidos, permite que o presidente seja o homem do diálogo, um moderador de todos os partidos. E isso é algo intrínseco à minha maneira de ser, porque eu falo e ouço a todos e sou capaz de criar acordos entre pessoas pouco prováveis.  Isso é tão verdadeiro que três ex-presidentes, Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio, todos de personalidades e pensamentos muito diferentes, apoiam a minha candidatura.

Que argumento vai utilizar para conquistar os cidadãos indecisos e insatisfeitos e levar mais portugueses a votar nas próximas eleições presidenciais, em vez de ficarem em casa?
Nóvoa – Existem duas palavras que vou repetir dia após dia: confiança e esperança. Tentar com que as pessoas tenham confiança em alguém que nunca fez outra coisa na vida a não ser defender as causas públicas e sociais e uma vida dedicada ao bem público, como professor, educador e reitor. E que esse homem candidato à Presidência da República não tem nenhum interesse pessoal e que chegou aos 60 anos disposto a trabalhar por uma causa maior e com total desprendimento. E essa confiança tem que ir de encontro a um discurso de esperança, de um futuro para Portugal.

Como o senhor recebeu a notícia da privatização da TAP e a aquisição por um investidor americano com interesses no Brasil? O Partido Socialista disse que, se vencer as próximas eleições,  fará de tudo para que o Estado continue a manter a maioria do capital social da  companhia aérea. Quais seriam as medidas cabíveis se o senhor vencer as eleições?
Nóvoa –Sou contra a privatização. Para alguns sectores que são estratégicos para o nosso futuro e a nossa posição no mundo, precisamos da TAP nas mãos públicas. Apoio o movimento “não TAP os olhos”  e espero que a privatização não se conclua.

Manifestações realizadas esta semana em Lisboa exigem 1% do PIB para a Cultura. O manifesto “Dias da Cultura em Luta – Por outra política para a cultura” foi assinado por 58 entidades, associações e sindicatos, que defendem que  “as forças da cultura em luta devem dar um sinal forte e claro a favor de outra política”. O senhor também é favorável a este percentual?
Nóvoa – Essa é uma luta de muitos anos e para a qual estou de acordo. Minha candidatura é feita em nome da cultura, no sentido amplo do termo, em que cabem muitas definições, como a cultura científica, a artística e a tecnológica. É importante que haja no próximo governo uma área mais forte para a cultura com investimento público. Há muito tempo que me vejo junto com essas reivindicações.

Em seu discurso realizado em 10 de Junho, em Lamego, o presidente Cavaco Silva afirma que, se os partidos de oposição ganharem as eleições, terão que se comprometer com os fundamentos económicos que o actual governo defende. O senhor não considera este discurso positivo quando comparado à crise económica do País nos últimos anos?
Nóvoa – Não vou comentar, seja positivo ou negativo, as palavras do senhor presidente da República, em respeito ao cargo e à pessoa. Agora, posso expressar minhas opiniões. Como candidato, tenho uma posição crítica em relação às políticas de austeridade que têm acontecido na Europa, que conduziram muitos países a um beco sem saída. Elas trouxeram uma grande pobreza e incapacidade de apostar no futuro. Portanto, espero que o próximo governo mude consideravelmente a política económica dos últimos anos.

Em relatório divulgado recentemente, o FMI sugere cortes financeiros em Educação. No entanto, o ministro da Educação, Nuno Crato, disse que não tenciona fazer cortes, uma vez que os recursos para a Pasta estão concentrados onde é necessário. O senhor concorda com o ministro?
Nóvoa – Não as conheço, mas se ele as fez eu concordo inteiramente. Infelizmente, ao longo dos últimos quatro anos, esse ministro provocou enormes cortes na educação. Foi a área, neste período, com mais cortes orçamentais e superiores ao famoso Memorando da Troika. Portanto, se o senhor ministro tem uma posição diferente sobre essa matéria, a única coisa que posso dizer é bravo.


Por deferência de António Melo que faz o seguinte

Comentário

Gostei - da entrevista e do entrevistado.
A abordagem às relações com o Brasil, sobretudo no caso das equivalências académicas é sóbrio e contém uma via de resolução.
Do mesmo modo apreciei a visão do cargo presidenciável nas relações com as comunidades da diáspora e como pode contribuir para uma aproximação entre os partidos na projecção internacional do país.
O tom irónico facilita a leitura e espero que o período eleitoral presidencial brasileiro se conclua em tempo.
O mesmo se aplica ao ministro da Educação português, Nuno Crato. Que bom era se ele mudasse de ideias, pelo menos em política educativa.

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