“Não
deixemos que a esperança também emigre”
Apesar da
falta de forças e dos azares da vida, quis estar presente na apresentação da
Carta de Princípios de António Nóvoa (AN) no Teatro Rivoli do Porto. Nóvoa e o meu
falecido Irmão Ademar tinham estreitado amizade nesse pós-25 de Abril “inteiro
e limpo”. Eu acabara por ter o meu pequeno espaço dentro dessa amizade. Ademar
falecera num 22 de Maio, a apresentação era a 25. Como não estar presente?
Primeiro problema: onde deixar o carro, vindos de Braga,
pois eu e o marido decidíramos ir cedo para arranjar lugar no Teatro?
Estacionámos, mas havia um problema com o parcómetro. Um arrumador perguntou
delicadamente se podia ajudar. Pelo modo como se expressava, vi que não era
como os arrumadores habituais. Disse-lho. Ele confirmou que outros já lhe
tinham dito o mesmo. Perguntei o que lhe acontecera. De modo humilde e tentando
esconder a tristeza, lá foi dando alguns pormenores. Tinha razoáveis
habilitações académicas - indicou algumas -, mas há dois anos que não conseguia
emprego. Já não tinha carro nem net, e o estado dos dentes da frente, para cuja
recuperação não tinha dinheiro, também tinham sido um obstáculo à obtenção de
emprego. Perdera a vergonha e tornara-se arrumador. Uma professora amiga
dissera-lhe que vergonha era ficar de braços caídos. Ele sabia que era
diferente dos outros arrumadores, mas sabia também que não era isso que lhe ia
arranjar emprego. Percebi-o bem: a interminável construção civil à volta da nossa
casa, dantes tão sossegada, e a falta de alternativas logísticas, mesmo para
descanso de verão, agravaram a minha situação oncológica. Mas em que é que essa
explicação me retira as dores e o perigo de vida? Seguimos as sugestões deste
arrumador – só fixei um dos seus nomes, Alexandre - e sei que nunca mais o
esquecerei.
No Rivoli,
ao tentar explicar porque se candidatava, AN falou de Mariana, 19 anos,
estudante universitária, que lhe mandara uma mensagem em que falava da sua
tristeza por viver num Portugal cinzento que sentia sem alegria, sem esperança
e sem futuro, temendo ter de emigrar para ganhar o seu sustento. Veio-me de
imediato à memória um magnífico jovem enfermeiro de Lisboa que, depois do
mestrado, não satisfeito com as más condições em que tinha de trabalhar,
emigrou para Londres e foi tão bem recebido no hospital onde agora estava.
Esses enfermeiros, qualificados e pautados pela ética do cuidado,
queria-os em Portugal, não no estrangeiro. E tantos outros jovens de outras
áreas. Nunca mais me esqueço do dia em que, a um e-mail meu, me respondeu já de um café em
Londres.
Não sei se
AN vai ganhar ou não. É certo que, como disse no Porto, representa uma
candidatura improvável. Mas isso nada diz dos resultados que irá alcançar. O
que sei é que a candidatura de AN veio trazer muita esperança, a meu ver
fundada, a muitas portuguesas e muitos portugueses. Como disse no Rivoli, “A
política não serve para justificar inevitabilidades, para se conformar com a
fatalidade, serve para dar o exemplo, para abrir caminhos. Com coragem, com
alegria, porque a alegria é a coisa mais séria da vida. Todos temos direito à
humanidade da vida, à felicidade. Espero que voltemos a acreditar. Não deixemos
que a esperança também emigre”. Recordei-me então de um antigo Daily Show de Jon Stewart (já agora, porque é que
não há um programa do género em Portugal?), em que, aquando da vitória de Obama
em 2008, o opositor republicano Mccain tivera de dizer aos seus
correligionários que era preciso respeitar um homem que elevara tanto a
esperança dos americanos. AN convenceu muitos de nós de que a esperança
substantiva não tem que emigrar. Só posso querer que esse desejo, essa audácia
da esperança, se vá concretizando.
Laura Ferreira dos Santos
Professora aposentada da Universidade do Minho
PÚBLICO (14 Junho 2015)
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